Conjugando o verbo computar através dos séculos
Esse é o primeiro de uma série de textos em que vamos dar um panorama da arte de calcular desde o Egito até os dias de hoje. Essa trajetória sempre foi marcada pela associação dos elementos: necessidade, criatividade e instrumentos de implementação. Embora nosso foco sejam os aspectos soft da computação, esse primeiro texto se concentrará em fatos e tópicos do segmento de hardware, para dar o contexto e o palco para os próximos.
Considere a analogia imperfeita que faremos a seguir. Os veículos rodoviários, com pessoas e mercadorias de todo tipo, suprem a maior parte de nossas necessidades de alimentação e transporte de massa. A estrada e seus elementos acessórios representam o hardware e a logística de transporte, com todos seus elementos, vetores de locomoção, horários e agentes representam o software. Hardware e software evoluem juntos e são quase indissociáveis nos dias de hoje. Se por um lado, sem algum hardware, o software mais genial não funcionará, por outro lado sem algum sistema operacional (software básico) o hardware também não funciona.
Nossa série começará falando da evolução dos instrumentos de computação, quase sempre hardware, mas que foram precedidos por ideias e criação de sistemas onde eles teriam um papel prático a desempenhar. Na medida em que o ser humano desenvolveu sua linguagem e começou a se organizar em comunidades, surgiu a necessidade de dar mais precisão às conversas em torno de transações. Dessa forma fomos evoluindo, da capacidade de simples enumeração para sistemas de representação numérica, operações aritméticas e assim por diante.
O começo
Sabe-se que no Egito, 3000 anos AC, já havia um sistema numérico posicional de base decimal. Mais ainda, havia o domínio das quatro operações aritméticas, o conceito de frações, um razoável arcabouço de álgebra. A nossa amiga matemática continuou avançando na Babilônia (1700 a 300 AC), com um sistema de base hexadecimal, com a inclusão de números negativos, sistema de equações algébricas de primeiro grau e equações de segundo grau etc. As aplicações que demandavam tal avanço eram as construções, o planejamento, a agricultura e os negócios entre outras.
Se a necessidade de computar já estava presente, os instrumentos de suporte eram meramente pedrinhas, gravetos e outros objetos, eventualmente com representação posicional associada. Crê-se que foi na Babilônia, perto do ano 300 AC, o protótipo do ábaco, uma “tablita de contagem” – a tábua de Salamis em mármore. Este instrumento evoluiu e nos anos 300 os romanos desenvolveram o ábaco portátil que foi realmente o primeiro instrumento mais efetivo para se calcular. Em paralelo, no século VI AC, na Grécia, Pitágoras criou tábuas de multiplicação, que eram práticas para os usos da época.
Se considerarmos a necessidade de calcular o tempo, então os relógios solares seriam os primeiros “computadores analógicos”. Tais relógios surgiram aproximadamente no 3500 AC. O exemplar mais antigo está em um museu egípcio e é do século 8 AC, Eles eram mecanismos estáticos e portanto fáceis de construir.
Com um conjunto mais ampliado de funcionalidades e exigindo uma construção mecânica bastante elaborada para sua implementação, alguns computadores analógicos também deixaram vestígios na história. O mais antigo e famoso sendo calculador de efemérides astronômicas, descoberto em 1901, nos destroços do naufrágio de um cargueiro romano do ano 100 AC, perto da ilha de Antikythera, na Grécia. Ele era um mecanismo usado para prever posições astronômicas e eclipses com décadas de antecedência. Conheça mais detalhes aqui!
O mecanismo de Antikythera foi construído em bronze e uma única foto do que foi recuperado não dá ideia de sua complexidade. Para os interessados, recomendo que cliquem aqui!
O primeiro computador eletrônico (ENIAC) foi desenvolvido de 1943 a 1947, na Universidade da Pensilvânia, operando com válvulas. Na década de 60 e 70, já com máquinas transistorizadas proliferavam os chamados centros de processamento de dados – CPDs, que sobreviveram até o final dos 80.
Foi só em 1967, que o primeiro protótipo de calculadora eletrônica portátil (solid state) foi inventada por Jack Kilby na Texas Instruments. A popularização das calculadoras pessoais ocorreu a partir da metade dos anos 70 até os 90, quando elas acessíveis a quase todos. Foi um fenômeno mais lento e de menor monta, mas bastante parecido com a popularização do telefone celular.
Os últimos 40 anos em poucas linhas
Embora o primeiro microcomputador tenha surgido nos anos 1970, foi só nos 80 que no Brasil tivemos a oportunidade conhecê-los. A partir do final desta década, com o vertiginoso progresso dos circuitos integrados, os micro computadores causaram uma transformação disruptiva na “arte” de calcular, atropelando os fabricantes de minicomputadores e depois os de mainframes. Um caso emblemático de quedas de companhia antes tidas como modelo, como foi o da Digital (DEC). Recomendo aos leitores estudarem esse business case.
Nos 1990 e nos anos 2000, começamos a assistir fenômenos de disrupção e convergência de aplicações e funções. Instrumentos (gadgets) que surgiram com grande ímpeto e atendendo a um grande conjunto de necessidades e expectativas gradativamente deslocadas para nichos ou sucumbindo. A tecnologia da informação convergiu com a de comunicação e a ânsia por mobilidade começou a privilegiar os aparatos mais leves. Dessa forma, os desktops perderam o trono para os laptops e estes também entregaram parte de seu reino para os tablets e celulares.
Hoje, o ecossistema do verbo computar se faz presente, ainda nas estações de trabalho individuais (laptops), mas a computação massiva migrou para a nuvem. A fartura de dados, faz com que modelar problemas seja quase sempre uma atividade intensiva em dados.
O futuro a médio prazo aponta para a computação quântica, que em termos de complexidade e potencialidade está para a computação atual, assim como essa está para os ábacos. Nos próximos textos trataremos um pouco desse novo ambiente, mas nos concentraremos principalmente na arte soft de computar, hoje dominada por aprendizado de máquina e inteligência artificial em suas múltiplas vertentes. [continua…]